Hotel New Hampshire.

“Linhas de força da literatura brasileira”

Marcelo Ferlin
2 min readApr 25, 2023

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Queria ser dos literatos e acadêmicos que mandam dessas grandes sistematizações lá do Olimpo para os mortais aqui de baixo.

Com uma diferença, em vez de usar alguma estrutura abstrata colada em categorias que algum ultramarino tirou do fiofó, seguir pelo concreto, por aquilo que aparece de verdade no texto, nas páginas dos livros.

O suor, por exemplo, já nos indica três demarcações literárias nacionais.

E a primeira demarcação brasileira do suor na literatura é por faixas etárias:

  • Correu, suou: infanto-juvenil, o suor como consequência.
  • Está tenso, é pobre ou teve que trabalhar (contra a vontade), começa a suar: literatura dita adulta, o suor como reação.

Há algum entrelaçamento. Conforme a sofisticação para o leitor menor de idade, mais o suor vai desaparecendo das ações físicas e reaparecendo nas reações psicológicas. E às vezes há transportes para a literatura que se quer adulta: o dono suarento do armazém do infanto-juvenil, onde o suor sugere o caráter do personagem, vira o dono suarento do armazém dos romances do Rubem Fonseca, onde o suor indica também uma visão sociológica, com e sem ironia.

E do uso do suor como reação na literatura dita adulta, temos a demarcação da herança romântica.

Nos autores sem coragem pra enfrentar o realismo nem abdicar do modernismo (aquela fusão de simbolismo e naturalismo que Edmund Wilson descreve) o suor corresponde, sem tirar nem pôr, aos frêmitos dos românticos.

Ninguém mais além do mítico, talvez ficcional, “leitor de romances” leva a sério personagens tendo frêmitos. A solução dos nossos pós-românticos é trocar frêmito por suor. Não sei se melhora muito. Segue dando bandeira. Ou, como dizem os modernos de hoje, dando pala.

Uma terceira demarcação é a recusa do símbolo ou da descrição. Aqui, sem enrolação, enxergo dois grandes campos:

  • O suor como descritivo ou índice telegráfico de sensualidade: Jorge Amado, talvez Mário e Oswald, Ivan Lessa, Luiz Vilela, cronistas até meados dos anos 80, Angeli e eu.
  • Suor como indicador ou símbolo psicológico-social: os autores nacionais contemporâneos em peso.

Dá para traçar um afunilamento temático e estilístico.

Num país tropical, o suor tem tantos usos e funções, mas recorta ou demarca certa literatura adulta que recusa a sensualidade e acata o romântico frêmito, agora sob nova roupagem, mas uma roupagem que apaga outras possibilidades literárias.

É… Não avançaria muito como literato.

Melhor vender o peixe: Daily Strip é um romance contemporâneo e nacional sem personagens que subitamente começam a suar.

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